Presidente da CBF pode esclarecer nova hipótese para morte de Vladimir Herzog
José Maria Marin, ex-deputado do partido que deu sustentação à ditadura, fez discursos raivosos contra o jornalista da TV Cultura e cobrou providências do governador na época
Uma nova hipótese para a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em outubro de 1975, na sede do Doi-Codi, em São Paulo, pode levar o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, a prestar esclarecimentos na Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Ex-deputado do partido que deu sustentação à ditadura durante os anos de chumbo, a Arena, e depois governador de São Paulo na vaga “biônica” deixada pelo hoje deputado Paulo Maluf (PP), em 1982, Marin fez discursos raivosos contra o estilo de jornalismo adotado, em 1975, por Herzog na TV Cultura, alimentando o clima que terminou no assassinato do jornalista.
Herzog apresentou-se à sede da Oban (Operação Bandeirantes), no Paraíso, zona sul da capital paulista, para esclarecer as suspeitas que à época o envolviam com o PCB e horas depois saiu morto do local. A versão até agora aceita depois de desmontada a farsa do suicídio é a de que os torturadores exageraram na dose de sevícias e, numa espécie de “acidente de trabalho”, acabaram matando o jornalista.
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As investigações da Comissão da Verdade apontam, no entanto, para uma nova hipótese: o jornalista teria sido alvo de um plano de eliminação de militantes do PCB no confronto entre duas correntes militares, uma representada pela linha dura – que gravitava em torno do comando do II Exército em São Paulo – e a outra, formada pelos setores militares que avalizavam o processo de abertura anunciado pelo então presidente, general Ernesto Geisel.
O quebra-cabeça está sendo montado com base em documentos e anotações encontrados num dos livros de presença à sede Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), na Praça General Osório, antiga sede da repressão. O nome de um dos visitantes, o jornalista Walter Sampaio (falecido), ex-diretor de jornalismo da TV Cultura, sucedido por Herzog, chamou a atenção da comissão.
Numa das folhas, Sampaio comparece à sede do Deops em duas datas distintas em maio de 1975, uma no dia 9 e a outra no dia 23. Permanece no local por duas horas e oito minutos. É o mesmo período em que seria substituído por Vladimir Herzog no comando do jornalismo da emissora estatal paulista.
Nas duas ocasiões, Sampaio se identificou como diretor da TV Cultura. Na véspera de sua substituição, Sampaio deixou pronto, para ser jogado ao ar, uma reportagem produzida pela BBC de Londres sobre a guerra do Vietnã e a figura de seu líder, Ho Chi Min, cuja iniciativa de divulgação foi maldosa e equivocadamente atribuída a Herzog.
No conturbado clima da época, a reportagem acabou sendo usada como pretexto para uma série de ataques paranoicos sobre uma suposta infiltração comunista na emissora estatal paulista. O assunto virou “denúncia” na coluna de outro jornalista, Cláudio Marques, no extinto jornal Shopping News.
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Duas semanas antes de Herzog ser intimado pelos agentes do Dói-Codi, Marin e outro deputado da Arena, Wadih Helu, já falecido, ampliando a publicação das notas, pediram providências ao então governador, Paulo Egídio, e ao ex-secretário de Educação e Cultura, José Mindlin.
“É preciso mais do que nunca uma providência a fim de que a tranquilidade volte a reinar”, disse Marin. Na sessão do dia 9 de outubro de 1975, os dois deputados se revezaram nas críticas, “denunciando” a transformação da emissora num instrumento de propaganda comunista.
Também reclamavam que a TV Cultura não dava cobertura a inaugurações de obras estaduais e só se ocupava de temas que mostravam a “miséria, pobreza e desgraça”. Em outra ocasião, Marin elogiou, da tribuna, as ações do delegado Sérgio Fleury, o nome civil mais forte da repressão e chefe do esquadrão da morte.
A Comissão da Verdade reuniu também atos de Marin como governador para beneficiar e proteger os policiais civis que participaram de tortura e execuções. Num deles, transferiu para a Superintendência da Polícia Federal todo o arquivo do Deops.
Em outro, remanejou para a PF o então delegado Romeu Tuma e boa parte dos agentes civis que haviam participado da repressão. Todos foram nomeados por portaria, portanto, à margem de concursos.
As providências de Marin tinham a finalidade de evitar que seu sucessor, Franco Montoro, pudesse abrir a caixa preta da máquina repressora paulista, a mais feroz do País. Levado para o sexto andar do prédio da PF, na Rua Antônio de Godoi, centro da capital, o arquivo passou por um verdadeiro pente fino.
Lá havia se instalado também, discretamente, um dos delegados apontados como torturador, Laerte Aparecido Calandra, conhecido pelo codinome de Capitão Ubirajara. Era homem forte de Tuma e dos militares.
Ivan Seixas, ex-preso político e assessor da Comissão da Verdade, acredita que a morte de Vladimir Herzog foi premeditada pela linha dura da repressão e está relacionada a vários outros casos de execução. Os mais conhecidos envolvem a morte do primeiro tenente da PM paulista – onde os órgãos de informação identificaram infiltração comunista –, José Ferreira de Almeida, ocorrido um mês antes do jornalista, e o operário Manoel Fiel Filho, três meses depois.
As três vítimas eram ligadas ao PCB, estavam no mesmo local e as mortes foram justificadas pela falsa versão do suicídio. Os três foram fotografados com um cinto de pano do macacão amarrado ao pescoço, pendurados na grade, com as pernas dobradas e os pés amparados no piso, uma versão ridícula diante da ausência de vão livre. Ivan Seixas acredita que os três foram estrangulados.
Na época, os episódios colocaram em choque as duas linhas do Exército. Na guerra de patentes que sempre caracterizou a hierarquia da principal Força do regime, venceram as “oito” estrelas de Geisel (quatro dele e outras quatro do irmão, o general Orlando Geisel) contra do general Ednardo Dávila Melo, o comandante do II Exército, que acabou demitido.
Não há indícios de que Marin e os jornalistas suspeitassem que Herzog pudesse ser morto. A hipótese mais favorável a eles é a de que tenham colaborado involuntariamente.
“Nós temos de deixar de olhar o que aconteceu nos anos de chumbo pelo buraco da fechadura”, diz o presidente da Comissão da Verdade paulista, deputado Adriano Diogo (PT), defensor de uma linha mais objetiva de investigação.
Para ele, os cartolas da Federação Paulista de Futebol e da CBF, pela relação com a ditadura, são protagonistas de episódios que podem colocar nas comissões que investigam o período militar um capítulo envolvendo o futebol e a ditadura. Nos mesmos livros de presença que estão sendo esmiuçados agora, há também o registro da visita do presidente da Federação Paulista e vice-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, ao Deops.
Procurado, o assessor de imprensa de Marin disse que "pode adiantar" que ele não falará sobre o assunto. Também foi deixado recado no celular do Del Nero, que não retornou as ligações.
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FONTE: Escrito por Vasconcelo Quadros, para o iG São Paulo, acessado em 21/02/2013, às 15h25min.