Meu Rincão

Minha terra não é de todos;
Apenas de quem a ama!
Minha terra não tem tudo;
Apenas o essencial!
Minha terra não tem pressa;
Mas, às vezes, corre!
Minha terra não é grande;
Apenas suficiente!
Minha terra é rica:
Cultura, vanguarda, tradição...
Minha terra perfeita? É, não!
É quase humana, mãe!
É mutante:
Cinzenta , estorricada,
De repente, verde, encharcada!
É sensível, persistente, alegre...
Minha terra enche-me de saudade
Sua água revigora-me
É renovação!
São, do Sabugi,
João.

PR_SJS

domingo, 29 de março de 2009

A Sociedade Patriarcal - III

Homem que se prezasse era bem-falante. A oratória compunha a personalidade masculina do mesmo modo que o fraque, o chapéu-coco, o cravo na lapela e o soberbo bigode - tudo isso acompanhado, naturalmente, de um título de doutor. ====================================================================== "Seu Doutor" integrava o restrito exercito de bacharéis formados pelas faculdades de Direito, Engenharia e Medicina. Todas elas, e não só as de Direito (como geralmente se supõe), são terreno assolado pela retórica, a arte de bem falar. Isto é fácil de entender, já que o persuadir, o convencer e o dissuadir representavam as chaves mestras da política, do mando, do governo, do controle. E eram os bacharéis que assumiam as posições de controle no, Estado, nos negócios e na família. ====================================================================== Com eles, a arte da retórica transbordou os paços acadêmicos e as assembléias políticas para invadir todos os recantos da sociedade. Um retrato irônico da oratória brasileira durante a Belle Époque foi feito pela revista Kósmos, em 1906: "Vede-o, austero, severo, sério, braço esticado no ardor do improviso, olhos cerrados pela contenção do espírito, afirmando a sua dedicação a um partido ao qual talvez tenha que trair amanhã, ou afirrnando o seu nobre desejo de morrer pela Pátria, quando talvez o seu único sincero desejo seja o de repetir a galantina de macuco que foi servida há pouco... A oratória política de sobremesa é hoje uma instituição indestrutível. É em banquetes que os presidentes eleitos apresentam a sua plataforma, é em banquetes que se fundam partidos, e é em banquetes que se fazem e desfazem ministérios. São banquetes fartos, magníficos, em que se gasta dinheiro a rodo: e isso não admira, porque neles é sempre o povo quem paga o pato... ou o peru. O champagne espuma nas taças. Os convivas, encasacados e graves, fingem prestar atenção ao programa político do orador, mas estão realmente namorando o prato de fios d'ovos... E o orador invoca os 'fundadores da nossa nacionalidade', os 'sagrados princípios de Oitenta e Nove', e declara solenemente que 'o Brasil (...) será em breve, graças a uma política enérgica, o primeiro país do mundo! porque ele, orador, está disposto a dar por isso a sua tranqüilidade, o seu saber, o seu estudo, a sua saúde, a sua vida!' E senta-se suado e comovido, dizendo ao vizinho da esquerda: 'Que tal? falei bem? passe-me aquele prato de marrons-glacés...' " ====================================================================== Existiam, no entanto, numerosos outros tipos de oradores, que sempre arrumavam um jeito de dar o seu toque pessoal às ocasiões que se apresentavam. ====================================================================== "Aqui vos apresento o orador dos grêmios literários e dos clubs (...). E moço, pálido, elegante e poeta. Manda versos aos jornais, e tem sempre cinco ou seis namoradas. E, de todos os sócios do club, o que mais docemente sabe falar ao coração das moças. (...) Tem um madrigal para cada menina; e recita versos (...) entre uma polca e uma valsa, encostado ao piano, com os olhos pregados no teto Ja sala e um sombrio desengano refletido na face. (...) A meia-noite, quando o presidente do club convida as senhoras para a 'modesta ceia' (...), retorcendo o curto bigode frisado, o orador tempera a garganta com um cálice do Porto, e enceta o seu infalível brinde à mulher-mãe, à mulher-esposa, à mulher-filha, essa trilogia divina que é a trípode do amor e o triângulo da Crença!' O brinde é sempre o mesmo, e nunca deixa de comover o auditório (... ). Há, porém, ainda o orador dos Grupos e dos Cordões, que é do mesmo gênero, mas de espécie diferente. Este é mais pernóstico, e mais art noveau, no trajar e no falar, como janota e como orador. ====================================================================== (...) E o orador das funçanatas alegres, em que o piano alterna com o violão e a polca militar com a modinha. É o Lúcifer das Eloás de cabelo frisado e flor atrás da orelha. É o Don Juan das Elviras de vestido de chita e óleo-oriza no cabelo... A sua imensa gravata de seda vermelha em laço de borboleta é todo um poema; a sua gaforinha lustrosa, dividida em 'pastas', é todo um programa. A bebida do orador político é o chanlpagne; a do orador dos clubs é o vinho do Porto; a deste é a cerveja. No fim da ceia, ei-lo que se levanta inspirado: fixa o punho esquerdo sobre a mesa, mete a mão direita no bolso da calça e solta o verbo. ====================================================================== (...) ====================================================================== "E admirai agora o 'orador dos aniversários', aquele que bebe à saúde do aniversariante e da sua digna família. E sempre um amigo íntimo da casa, um papa-jantares, um bom moço, que namora a filha mais velha ou ocupa o lugar de guarda-livros do pai. Tem doçuras de mel na palavra, e nunca se esquece de dizer que o momento é solene, que sua voz é débil, e que a dona da casa é um modelo de virtudes. E, assim que principia a ceia, ainda no meio da canja saborosa, já a dona da casa, que não prescinde de receber o título de 'modelo de virtudes', diz com amabilidade: 'Queremos ver hoje o seu brindis, seu Maneco!' E seu Maneco, obsequiador: 'De que ousadias. não serei eu capaz para cumprir suas ordens, excelentíssima?!. ====================================================================== Este texto foi extraído da Coleção Nosso Século, volume 1;